O último dia da Mercearia do Bolhão. A “matilha de lobos” que são “grandes cadeias” faz mais uma vítima no Porto

O último dia da Mercearia do Bolhão. A “matilha de lobos” que são “grandes cadeias” faz mais uma vítima no Porto
Porto Canal
| Porto
Alexandre Matos e Maria Abrantes

30 de abril de 2024 é oficialmente o último dia da Mercearia do Bolhão. Prateleiras vazias, algumas já desmontadas, muitos abraços de despedida e um sentimento geral de mágoa. 144 anos depois, a mercearia mais antiga da cidade do Porto fechou as portas pela última vez pelas 19h. A notícia foi avançada em primeira mão pelo Porto Canal a 19 de abril.

“Último talão para a D. Isabel. É o último que leva daqui”, diz Elisabete Reis, uma das funcionárias da loja, numa das muitas despedidas do dia.

 
 
 
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O cenário já é bem diferente de há pouco mais de uma semana, quando o Porto Canal deu em exclusivo o encerramento da histórica loja, que vai dar lugar a uma loja da cadeia multinacional espanhola Ale-Hop.

“Vinhos do Porto, ainda têm?”, pergunta um cliente. “Ai, não, já foram todos”, responde Elisabete. A liquidação foi quase total. E se as prateleiras na entrada da loja ainda seguravam alguns últimos produtos, a parte de trás já tinha sido esvaziada – das mercadorias mas também dos móveis em si.

A última semana foi de uma afluência como nunca antes tinham experienciado, com muitos portuenses, e não só, a correrem à Mercearia do Bolhão para conseguir uma última recordação.

Mas quem não vai gostar da última lembrança da centenária mercearia é a própria Elisabete Reis.

“Eu adorei trabalhar nesta loja. Embora que agora para o fim não tenha gostado muito. Eu já estava habituada aos clientes, eram assíduos. Agora no final, claro que sinto tristeza, e senti-me psicologicamente afetada. Nestas últimas semanas, vi uma Elisabete completamente diferente”, contou emocionada ao Porto Canal.

Não vai conseguir voltar a passar naquela zona no futuro, confessa. Depois de 16 anos a trabalhar diariamente no número 305 da Rua Formosa, ver uma outra loja ali no lugar da Mercearia do Bolhão não é algo que queira fazer.

“Tinha que ser algum [dia] o último. Esse dia chegou hoje”, afirmou Alberto Rodrigues, proprietário da loja e do prédio, ao Porto Canal. Apesar da pena que sente, volta a criticar o “capitalismo selvagem”. Não concorda com a abertura de lojas das grandes superfícies comerciais nos centros das cidades, apontando o dedo, por exemplo, ao supermercado construído junto ao Campo 24 de Agosto. E também não acha que os programas de apoio ao comércio tradicional sejam suficientes.

“O Porto de Tradição é um presente envenenado. Porque ter esse programa e depois pôr grandes cadeias aqui a rodear-nos é como quem põe umas ovelhinhas ou umas cabras a pastar, e a seguir põe lá uma matilha de lobos a comê-los. É o que sinto”, diz Alberto Rodrigues, com revolta na voz.

O proprietário que agora vai arrendar o espaço à Ale-Hop nunca fez qualquer tentativa de tentar classificar a Mercearia do Bolhão no programa camarário Porto de Tradição, conforme a Câmara do Porto confirmou ao Porto Canal e como o próprio admite.

No último dia, Alberto reitera a ideia de que se o negócio ainda rendesse como quando o adquiriu, não estaria agora a fechar a mercearia.

Esta segunda-feira, a Assembleia Municipal do Porto aprovou, por maioria, uma recomendação do movimento independente que insta o Governo a habilitar os municípios a regularem o licenciamento das atividades económicas.

Já Ricardo Valente tinha insistido na ideia, à margem da primeira reunião do executivo da Câmara do Porto após a notícia avançada pelo Porto Canal. O vereador com o pelouro da Economia tinha dito que “o que nós podíamos fazer era nada”. Acrescentando que “nós temos reclamado este direito há anos e anos, do ponto de vista daquilo que é o comércio de rua”.

“O município deveria ter a capacidade de poder, em sede de PDM, que é assim que se regula território e ocupação de território, nós podermos ter meios de utilização de uso específico, coisa que não nos é dada do ponto de vista normativo legal”, declarou o autarca.

Mas apesar de aprovada agora a recomendação ao Governo, pela Mercearia do Bolhão já não há nada a fazer.

O fechar de portas esta terça-feira vai mesmo ser o último. A 1 de maio já vai estar fechada, e não é só pelo facto de ser feriado. É mais uma peça histórica do comércio tradicional do Porto que não resiste ao passar do tempo.

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